Autoritário, mitómano e ignorante
Para vaticanistas, papa 'ignorou realidade brasileira'
O papa Bento 16 ignorou a realidade brasileira nos cinco dias de visita ao país, na avaliação de especialistas em Vaticano ouvidos pela BBC Brasil.
Segundo esses analistas, os discursos do papa demonstraram que ele não consegue entender o pluralismo religioso existente no Brasil e o conceito mais abrangente de família, além de não reconhecer o processo sangrento que marcou o início da evangelização na América Latina.
O último discurso do papa, na abertura da 5ª Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, em Aparecida (SP), foi considerado o pior deles.
“Ele começou dizendo que o Brasil nasceu cristão e terminou afirmando que nunca existiu um ataque à cultura pré-colombiana na América Latina. A história do genocídio dos indígenas parece completamente desconhecida por ele”, disse Ettore Masina, escritor e especialista em assuntos do Vaticano.
Para o vaticanista Giancarlo Zizola, foi “uma gafe maior do que a cometida contra os muçulmanos durante viagem à Alemanha no ano passado”.
Segundo Zizola, o papa deveria ter pedido desculpas às culturas “massacradas pelo cristianismo”.
“Sem esta autocrítica, o discurso da Igreja é frágil, não pode se tornar significativo para o povo latino-americano. O objetivo de ter um contato maior com a América Latina é um projeto que nasce falido.”
No discurso, Bento 16 disse que “o anúncio de Jesus e de seu Evangelho não supôs, em nenhum momento, uma alienação das culturas pré-colombianas, nem foi uma imposição de uma cultura estrangeira”.
‘Passo atrás’
O vaticanista Marco Politi considerou o pronunciamento “um passo atrás em relação à história”.
“Até mesmo João Paulo 2º tinha reconhecido os excessos. Não se pode dizer que os povos pré-colombianos estavam à espera do cristianismo. Foi o grande equívoco desta viagem.”
Para Masina, Bento 16 escuta apenas o que dizem integrantes de movimentos eclesiais conservadores, como Opus Dei e Legionários.
“Eles lhe asseguram fidelidade absoluta e, ao mesmo tempo, impõem suas teologias”, afirmou.
Numa comparação com as três viagens feitas por João Paulo 2º ao Brasil, Giancarlo Zizola diz que Bento 16 fez a visita com a mentalidade voltada para a Europa e, em conseqüência, acabaram faltando elementos como sensibilidade, emoção, alegria e entusiasmo.
Imagem pessoal
Apesar disso, alguns analistas acreditam que com a visita ao Brasil, o papa possa ter suavizado a imagem severa associada a ele no início do seu pontificado.
Marco Politi disse esperar que os brasileiros tenham entendido que Bento 16 é uma pessoa tímida, mas muito doce, que se esforça para agradar.
Já Vincenzo Pace, professor de Sociologia da Religião da Universidade de Pádua, acredita que o papa Bento 16 não se esforçou para mudar a imagem do teólogo frio, defensor da fé, que fala mais à mente que ao coração.
Na avaliação do sociólogo, os discursos do papa sobre a família, aborto e castidade fora do casamento foram inúteis. Ele argumenta que para os brasileiros, a concepção de família é diferente daquela tradição católica européia.
Pace lembra que muitas mulheres são chefes de família, têm dois ou três filhos com diferentes pais. “São comportamentos há muito tempo difundidos, que é difícil pensar em mudar”, afirmou.
Além disso, o governo brasileiro tem uma política de distribuição maciça de camisinhas, que conta com apoio da população e o discurso de castidade serve apenas a uma pequena minoria.
Pace, que também é presidente da Sociedade Internacional de Sociologia da Religião e esteve inúmeras vezes no Brasil, diz que muitas das palavras do papa não terão eco entre brasileiros.
“Ele precisa levar em consideração que, além do mito do catolicismo como religião fundamental, os brasileiros têm um espírito pluralista”, disse. “Ao mesmo tempo em que vão a missas, freqüentam pais e mães de santo e, dependendo do problema, vão à Igreja kardecista também. É uma realidade que nós na Europa desconhecemos.”
Segundo os especialistas em Vaticano, a viagem deixou muito clara a intenção deste papado de restabelecer a doutrina e que o princípio da autoridade da Igreja e do papa não deve ser colocado em discussão.
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